quinta-feira, março 11, 2004

Corpos deitados na manhã fria, aleatoriamente sobre a terra, sem razão aparente, alguns mortos, outros em estado latente, olhos sem vida, frios. Sangue que se espalha e continua a correr, a ocupar os espaços por entre os grãos de terra, numa visão de loucura, ou de incerteza, corro e procuro no meio da multidão, uma vida, uma alma que possa salvar.
Porque estão aqui deitados? Não se mexem, não vivem nem mais um segundo, para onde foram as vossas almas? Os vossos sorrisos?
A manhã avança, o ar aquece, os corpos não, o chão vermelho confunde, tudo é confuso, tudo corria bem, tudo andava na linha, porque tinha de descarrilar?
Corpos espalhados aleatoriamente, sem vida, olhos de vidro, sem sentimento inerente, vidas perdidas, almas que outrora foram queridas, são hoje a razão do sofrimento. Corpos mortos ainda com sangue escorrendo, visceras que se mostram em horário, e se espalham quase até ao horizonte, memória que vão perdurar.
Chegaram outros, outros que se sentam e ajoelham, , ora choram, ora gritam. Vejo alguém no meio dos escombros, uma mão que se agita por breves segundos e pára, cai, mais uma vida perdida. Vejo luzes que giram, sons agudos de agonia, vejo macas, enfermeiros, vejo policias, vejo tudo, mas não vejo nada, não vejo razão, não vejo quem foi, em mim reside uma raiva inerente, o sentimento de dor, de vingança ardente, penso estar a ter um sonho mau, estar apenas inconsciente, mas tudo me diz que é verdade, a televisão, as pessoas, o Mundo.
Toda a gente grita "Hoy seremos Madrid", todos nós estávamos nos comboios, todos nós morremos um pouco, nunca vamos saber a dimensão do sofrimento de quem perdeu quem amava, mas ficamos a olhar para o futuro de uma maneira diferente, podemos não ter morrido a 11 de Março, mas não viveremos da mesma maneira depois disso. NUNCA MAIS.